Por MSc. Alexandre Zabot
Físico, mestre e doutorando em Astrofísica
A Igreja Católica não propõe uma teoria científica para a criação, não é o papel dela. No entanto a Igreja ensina, com base nas Sagradas Escrituras, que há propósito de Deus na criação e ele pode ser percebido pelo homem. Também ensina a Igreja que a ciência verdadeira não se opõe à fé. A conclusão natural para qualquer católico, portanto, é que se uma teoria científica para a criação é verdadeira ela não terá conflito algum com a fé católica. É neste contexto que precisamos entender a oposição de muitas pessoas à teoria da evolução de Darwin. Elas acreditam que a teoria de Darwin elimina o propósito de Deus na criação. Mas por que pensam assim e, será que isso é mesmo verdade?
Geralmente o primeiro argumento contra qualquer evolução, não só a biológica mas também a do universo, é o livro do Gênesis. Sabemos, entretanto, que do ponto de vista católico não há motivos para acreditar na interpretação literal do relato da criação. Deve ser compreendido como uma metáfora. De fato, entre os que se opõe à teoria de Darwin, poucos se baseiam numa interpretação literal da Bíblia. Até mesmo porque cientificamente a evolução biológica é um fato mais do que comprovado. A evolução do universo também já foi provada depois que Edwin Hubble verificou observacionalmente a teoria do Big Bang proposta pelo padre jesuíta Georges Lemaître. A física, hoje, não duvida desta descoberta. A expressão de conservação das massas do católico Lavoisier, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, deve ser entendida num sentido mais amplo, cientificamente, de que o paradigma da evolução faz parte da ciência moderna.
A evolução é um fato, a teoria é a explicação do fato. Embora as teorias possam estar erradas e mudar, os fatos experimentais não mudam! Do ponto de vista filosófico e teológico o argumento realmente sério é se a teoria de Darwin se opõe ou não ao Propósito de Deus na criação. Esta é a pergunta que realmente importa. A teoria de Darwin, muito aprimorada depois da descoberta da genética pelo monge agostiniano Gregor Mendel, está baseada no conceito de mutações genéticas aleatórias que acontecem na reprodução. Ao longo de milhares de anos estas mudanças fariam que uma população se aprimorasse, evoluísse, através de vários mecanismos, dentre eles a sobrevivência do mais apto.
É justamente a ideia de aleatoriedade das mutações que gera a grande controvérsia pois significa literalmente que as mudanças acontecem ao acaso, sem propósito. Isso implica (será?) que todas as espécies surgiram ao acaso, inclusive nós. Basicamente existem três posturas frente a essa conclusão: nega-se a evolução, aceita-se a evolução mas não a “aleatoriedade” das mutações ou então aceita-se a evolução e a aleatoriedade mas nega-se a consequência de acaso devido às mutações aleatórias. Como foi visto antes, a primeira postura vai contra tudo que a ciência moderna sabe e contra o que convém chamar de “paradigma evolutivo da ciência”. Para dizer pouco, pode-se falar que não é uma posição defensável com a razão, hoje. E como há séculos a Igreja defende que a fé e a razão se complementam, ir contra o fato (não a teoria) da evolução não é uma boa posição para os católicos. O frade franciscano Roger Bacon, um dos pais do método científico, que o diga!
A segunda posição é conhecida com “Design Inteligente”, diz que não há aleatoriedade nas mudanças que acontecem entre uma população e outra, mas que Deus controla tudo. Seus principais defensores tentam lançar mão de uma proposta científica, a complexidade irredutível, para justificar esta posição. Entretanto, argumenta-se muito nos meios científicos que esta teoria não é falsificável e que portanto não é científica. Particularmente, concordo com esta crítica. Não pode-se esquecer que também do lado teológico o Design Inteligente não é bem visto sempre. Muitos alegam, com propriedade, que ele apela a um “Deus das lacunas”, que vive remediando sua criação. Os católicos creem que Deus cria e mantém a sua obra, porém “manter” não significa “consertar”, apesar do “ato criador” poder se estender no tempo. Mas a ação de Deus no Design Inteligente está mais para remendo do que para criação.
A terceira posição, que me parece mais correta, afirma que não há consequência lógica entre “aleatoriedade na mutação” e “aleatoriedade das espécies”. O propósito de Deus está em ter criado um mundo que tem leis naturais que invariavelmente conduzem ao universo como conhecemos hoje. Se as mutações genéticas são aleatórias, as leis físicas não são e conduzem a natureza para um fim específico, em última análise desejado por Deus, que é o criador destas leis. Uma analogia pode ajudar a compreender esta visão. Imagine um estádio de futebol lotado onde explode uma bomba que faz as pessoas quererem sair do estádio. Cada indivíduo é livre para correr na direção que quiser. De fato, uns correm para a saída e outros não. Ou porque estão perdidos ou porque acham que podem ser pisoteados no tumulto, não se sabe. No final a maioria das pessoas se salvaram. Foi o acaso ou foi porque as pessoas têm uma tendência natural de procurar a saída e o engenheiro pensou nos possíveis canais de fuga quando construiu o estádio?
Seguindo esta analogia é evidente que todos os caminhos que levam da “aleatoriedade da mutação” para o surgimento de uma nova espécie (e nós) podem ser compreendidos como o Propósito de Deus na criação. Há inúmeros agentes biológicos, físicos, geológicos e climáticos que controlam todo o processo. Deus que é onisciente certamente sabe que fim levará sua criação e não precisa interferir desnecessariamente criando olhos aqui, asas acolá. Precisamos refletir bem no significado da onipotência de Deus.
Alexandre Zabot
Físico, mestre e doutorando em Astrofísica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário